Em plena estação das águas, o risco é de estiagem e fogo no Pantanal. O bioma pode sofrer este ano com uma das piores secas de sua história, com consequências graves para a biodiversidade e a economia, alertam o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e o Serviço Geológico do Brasil (SGB).
O Rio Paraguai, espinha dorsal do bioma, atingiu o nível histórico mais baixo para esta época do ano, afirma o hidrólogo do SGB Marcus Suassuna. Nos demais rios da bacia, incluindo os importantes Aquidauana e Taquari, a situação é a mesma.
Em fevereiro, em plena estação chuvosa, já há seca excepcional, o nível mais grave. O cenário deve piorar em março, segundo Marcelo Seluchi, diretor de Operações do Cemaden.
Suassuna diz que há grande probabilidade de que a seca se iguale ou supere as maiores da história, em 2021, 2020 e 1964. E lembra que este nem é o pior período do ano: o pico deve ser por volta de setembro, na estiagem.
O alerta foi dado numa reunião conjunta esta semana de representantes de agências governamentais, para que o planejamento de navegação, combate do fogo, manejo de pastagens e abastecimento de água fosse feito com antecedência. Pela hidrovia pantaneira são escoados minérios, soja e gado.
— Não podemos impedir a seca, a situação é praticamente irreversível. Mas podemos atenuar seus efeitos com planejamento adequado. Equipes de prontidão para fogo, embarque mais cedo das cargas, por exemplo — cita Suassuna.
Seluchi diz que a previsão para o próximo trimestre é de chuvas 30% inferiores ao normal. Mesmo que as elas caiam dentro da normalidade pelo resto do ano, o que os modelos meteorológicos praticamente descartam, o déficit de água não será mais compensado, adverte Suassuna.
Choveu menos da metade do esperado para o período desde setembro de 2023. O acumulado desde outubro é de 450 mm na bacia, quando o normal é de 1.100 mm. Dezembro, janeiro, fevereiro e março costumam ser os meses mais chuvosos. Intensas chuvas localizadas nas últimas semanas não têm impacto na vazão total dos rios.
— Este ano a planície pantaneira deve ficar bem abaixo do esperado de inundação, a água não chegará a todos os lugares — diz Suassuna.
Em Ladário (MT), o nível do Rio Paraguai estava em 84 cm no dia 26 de fevereiro. A média histórica para o período é de 2,17m. Em Porto Murtinho (MS), estava em 2,12m, enquanto a média histórica é de 3,77m.
Ritmo próprio
O Pantanal tem seu próprio ritmo e ele é lento. Em média, a chuva no rio em Cáceres (MT), no Pantanal Norte, leva um mês para ser sentida na elevação do volume em Corumbá (MS), portal para o Pantanal Sul e onde se dá o fluxo mais intenso de navegação. Por isso, em boa parte da planície pantaneira, o auge da inundação ocorre a partir de maio. Este ano, a previsão é que aconteça no início de junho, segundo Suassuna.
Seluchi destaca que há previsão de fogo para março e abril. Pastagens e agricultura familiar são as primeiras a sentir o impacto da seca. Quase 90% das áreas de pastagem naturais foram atingidas, segundo o Cemaden.
O índice de seca leva em conta não apenas a chuva, mas a umidade do solo e o estado da vegetação. As projeções indicam tendência de agravamento.
No meio do ano deverá haver a transição do El Niño para La Niña. Mas o impacto é incerto. Seluchi explica que o bioma e outras partes do Mato Grosso e do Mato Grosso do Sul não são muito sensíveis a esses fenômenos. Cientistas dizem que mudanças climáticas globais e no uso do solo impactam mais. De acordo com Suassuna, as causas imediatas da baixa vazão dos rios da Bacia do Paraguai são a pouca chuva, que em 2023 ainda atrasou, e as altas temperaturas.
Calor mata 5 mil mudas
Os efeitos da seca já se fazem notar. Mudas de abobreiras, árvores que formam bosques floridos de cor-de-abóbora e simbolizam a exuberância da biodiversidade do Pantanal, foram consumidas pelos incêndios na Estação Ecológica de Taiamã, em Cáceres (MT). As que escaparam murcham nas margens do Paraguai, fora do alcance do nível baixo demais do rio.
Em janeiro queimaram 36% dos 11.555 hectares da estação. As mais de 5 mil mudas perdidas eram parte da maior experiência para restaurar a vegetação destruída pelas queimadas de 2020, financiada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ministério do Meio Ambiente, Fundo Global para o Meio Ambiente e Fundo Brasileiro para Biodiversidade.
Os cientistas dedicaram três anos para descobrir a composição florestal ideal, o tempo de crescimento, o local e a época. Coletaram sementes e produziram mudas de 35 espécies nativas, levadas à ilha de Taiamã, que abriga a maior densidade de onças-pintadas do mundo.
— O calor asfixia, todos os dias alguém desmaia trabalhando. Quando chove, dura pouco, causa devastação e não resolve — afirma Solange Ikeda-Castrillon, do Centro de Estudos em Limnologia, Biodiversidade e Etnobiologia do Pantanal da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat).
Em muitas áreas onde deveria haver água permanece o pasto, pois não alagou o suficiente, afirma o porta-voz do Instituto Homem Pantaneiro (IHP), Rodolfo Cesar.
— Muita gente ainda insiste em queimar quando está seco demais e perde o controle do fogo — lamenta.