Bets irregulares: risco de calote é real, dizem especialistas

O governo começa nesta terça-feira a fechar o cerco contra sites de apostas. O Ministério da Fazenda divulga hoje a lista de empresas que pediram autorização para atuar no país e, desta forma, poderão continuar operando normalmente. Já as demais serão consideradas ilegais e terão suas páginas retiradas do ar em dez dias. O ministro Fernando Haddad estima que até 600 endereços eletrônicos deverão ser derrubados.

Dessa forma, os apostadores terão dez dias para resgatar seus saldos nas bets consideradas irregulares. Depois desse prazo, não terão como solicitar o reembolso pelas plataformas. Ao todo, 161 empresas pediram autorização à Fazenda.

Segundo Haddad, a operação para retirar as páginas de empresas irregulares do ar envolverá uma atuação conjunta com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e as empresas de telecom. O ministro recomendou que apostadores peçam “restituição já”.

— Cerca de 500 a 600 sites de apostas vão sair do ar nos próximos dias. Em mais ou menos uma semana vamos tirar do ar os sites que sequer pediram a regulamentação. Estamos oficiando a Anatel. Elas têm que sair do ar por falta de adequação à regulamentação. Se você tem dinheiro em casa de aposta (ilegal), peça a restituição já — disse Haddad em entrevista à rádio CBN.

É o primeiro passo do governo para apertar o controle contra as bets, que crescem de forma acelerada no país e vêm drenando parcela significativa de recursos da economia, inclusive dos mais vulneráveis.

Risco de calote

A previsão era que a suspensão ocorresse em janeiro de 2025, quando entram em vigor todas as regras de regulamentação das apostas de cota fixa. Mas a ação foi antecipada diante do que Haddad chamou de “dependência psicológica dos jogos”.

De outubro até dezembro, o governo vai analisar os pedidos de outorga, de modo que, em janeiro, tenha início o mercado regulado de apostas no Brasil. As empresas aprovadas terão que pagar, ainda neste ano, o valor de R$ 30 milhões da outorga para continuar funcionando a partir do próximo ano.

Na semana passada, levantamento do Banco Central mostrou que o volume mensal de transferências via Pix de pessoas físicas para empresas de apostas on-line variou entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões neste ano. Em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família destinaram R$ 3 bilhões para os jogos on-line.

Livelton Lopes, advogado especialista em lavagem de dinheiro, recomenda que os consumidores verifiquem se a plataforma em que apostam entrou com pedido de outorga junto à Fazenda. Se a empresa não for regulada, o recomendável é sacar todo o dinheiro.

— O Código de Defesa do Consumidor é nacional. Apesar desses aplicativos estarem direcionados a apostas para o público brasileiro, se não tiverem representante no Brasil, o nosso direito não alcança essas empresas — disse Caren Benevento, advogada sócia do escritório Benevento Schuch.

Rafael Viola, professor de Direito e Tecnologia do Ibmec no Rio, disse que a regulamentação exige que as empresas mantenham subsidiária e tenham 20% do capital social no Brasil, justamente para garantir que possam ser responsabilizadas. Mas avalia que o risco de calote para o consumidor já é realidade.

Para Viola, do Ibmec, o prazo inicial para que as empresas se adequassem à regulamentação trazia um “risco moral”. Ele explica que, em situações de limbo regulatório, há espaço para atuação de empresas boas e ruins:

— Foi correção de rota adequada, reconhecendo que o prazo inicial não era ideal.

Caio de Souza Loureiro, sócio da área de Gaming & E-Sports da TozziniFreire Advogados, afirmou que empresas reguladas devem investir em anúncios nas plataformas, informando aos apostadores que não correm riscos.

Além da suspensão das plataformas ilegais, o governo discute proibir o uso de cartão de crédito para apostas a partir de janeiro de 2025. Mas o setor se antecipou. Integrantes da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL) deixarão de aceitar o meio de pagamento a partir de hoje.

Outras medidas em discussão no governo são o bloqueio do uso para apostas da função débito do cartão do Bolsa Família e a troca da titularidade do benefício caso o dinheiro esteja sendo usado para apostas. As iniciativas serão discutidas com o presidente Lula em reunião nesta semana.

Na entrevista à CBN, Haddad disse ainda que a publicidade das empresas de apostas entrará na mira do governo. Na avaliação do ministro, a questão está “completamente fora de controle”. A Fazenda já proibiu que comerciais sugiram o enriquecimento e que influencers tratem os jogos como forma de melhorar de vida.

Além disso, o governo pretende apertar o monitoramento de apostadores para evitar o agravamento de questões de saúde pública. O ministro citou a possibilidade de que sejam cadastrados telefones de familiares, para que alguém próximo seja avisado caso haja suspeita de dependência grave do jogo.

— Vamos acompanhar CPF por CPF a evolução das apostas e dos prêmios. Quem aposta muito e ganha pouco pode estar com dependência psicológica. Há casos dramáticos em que não há dúvida de que o problema está acontecendo. Quem aposta pouco e ganha muito, em geral é lavagem de dinheiro — afirmou Haddad.

O setor tem dúvidas sobre as “regras do jogo”. Leonardo Benites, diretor de comunicação da ANJL, afirma que o adiantamento da regulação pelo governo é positivo, mas que falta transparência a respeito da fase de transição. Para ele, o bloqueio das bets irregulares só será eficaz se houver sanções:

— É preciso separar o joio do trigo. Quem é trigo sofre muito com o joio. Imagem positiva do setor só vai ser construída assim. Mas isso transforma uma expectativa de regras que ainda faltam em pressa. Sem sanções, nada muda. Se bloquearem a URL de 500 ou 600 empresas, elas conseguem outra URL com um botão.

Para André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Jogo Responsável (IBJR), bloquear sites que não entraram com pedido de licença é pertinente.

‘Algo precisa ser feito’

Em outra frente, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), planeja pautar projetos com restrições à operação das empresas de jogos esportivas logo após as eleições municipais. Há o diagnóstico que o Congresso precisará agir após o surgimento de dados apontando para o avanço dos jogos e apostas com reflexos, inclusive, no orçamento de famílias mais pobres.

— Algo precisa ser feito. Vamos avaliar as opções de projetos logo após o primeiro turno, em reunião de líderes que será marcada — afirmou Pacheco ao GLOBO.

A ideia é usar as próximas semanas para debater o caminho a seguir.

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