A atenção mundial se voltou ao Brasil depois de o filme “Ainda Estou Aqui” receber o Oscar de melhor filme estrangeiro no último domingo, 2/3.
A trilha sonora da obra alimenta o imaginário no exterior de que o Brasil ainda é o país do samba e da bossa nova. Mas esta imagem está “desatualizada”, diz a revista britânica The Economist em artigo publicado nesta quinta-feira, 6/3.
“Os brasileiros modernos preferem o sertanejo, um gênero de música caipira, e o funk, um estilo que surgiu nas favelas do Rio. O funk, em particular, pode se tornar global e mudar a marca do Brasil no processo”, diz a revista, que destaca em seu site uma foto da cantora Anitta.
O veículo diz a seus leitores que a ascenção do sertanejo reflete as mudanças na economia do Brasil, que costumava ser baseada na indústria, mas agora é impulsionada pela agricultura.
Leo Morel, da Midia Research, disse à The Economist que a maioria dos produtores de música do Brasil ficava sediada no Rio mas, à medida que a agricultura se tornou mais importante, “os Estados rurais começaram a ganhar voz”. O texto destaca que os temas dos cantores sertanejos são gado, cerveja e caminhonetes americanas.
Gusttavo Lima se apresenta ao vivo no palco do Miramar Regional Park Amphitheater, em 30 de setembro de 2022 ,em Miramar, Flórida.
Mas apesar do domínio do sertanejo, a revista diz que o estilo tem pouco potencial de exportação. Morel diz à The Economist que poucos artistas sertanejos brasileiros se preocupam em se tornar globais.
A revista contextualiza os leitores com o histórico do funk brasileiro, surgido no final da década de 80 e inspirado no Miami bass e electro-funk, subgêneros do hip-hop americano que incorporam bateria eletrônica.
Explica ainda que os brasileiros criaram seu próprio funk e que “desenvolveram uma subcultura em torno do gênero”, com movimentos como o “passinho” para os homens e a “rebolada” para as mulheres, que eles chamam de “uma variante acelerada do twerking”.
A The Economist diz que os temas e letras do funk brasileiro muitas vezes podem ser violentos.
“Em um baile funk recente em uma favela no bairro carioca da Glória, adolescentes andavam com fuzis pendurados nos ombros e cintos de cartucheiras na cintura. Um homem de 20 e poucos anos acenava com um fuzil semiautomático incrustado de ouro. Atrás do palco, homens armados guardavam uma mesa empilhada com bolsas de cocaína para venda”, descreve.
Em entrevista à revista, a professora de dança e curadora de uma exposição sobre o funk no Rio, Taísa Machado, diz que seus alunos eram frequentadores assíduos dos bailes funk. “Agora eles são dentistas e terapeutas que moram em bairros ricos. A maioria é branca. Essa normalização irritou os legisladores conservadores”.
Novos embaixadores da música brasileira?
Gilberto Gil se apresenta ao vivo no palco durante o terceiro dia do Lollapalooza Brasil, no Autódromo de Interlagos, São Paulo, em 24 de março de 2024.
Para a The Economist, se embaixadores da música do Brasil costumavam ser artistas como Gilberto Gil, “hoje o mascote preferido é a Anitta”.
A revista destaca que ela trabalhou por muitos anos para chegar ao mercado internacional, aprendeu espanhol e inglês, comprou uma casa em Miami e assinou com uma gravadora de prestígio, a Republic Records.
Diz ainda que, em 2022, ela foi a primeira brasileira a chegar ao topo das paradas globais do Spotify com sua música Envolver, um reggaeton cantado em espanhol.
A The Economist diz que o fato de ela ter precisado aprender dois novos idiomas e misturar gêneros para se tornar uma artista global revela a dificuldade que artistas brasileiros têm para alcançar um público internacional.
A revista conta que Beyoncé e Kanye West, duas superestrelas americanas, usaram batidas de funk em seus novos álbuns.
Um produtor com experiência nos Estados Unidos entrevistado pelo veículo disse que músicos de lá não faziam ideia do que era o funk até recentemente, mas que agora ele tem recebido ligações de Timbaland e Snoop Dogg pedindo por batidas.
A The Economist diz que a América Latina e a África Subsaariana são os mercados de música que mais crescem no mundo.
Roberta Pate, do Spotify Brasil, disse ao veículo que embora a América Latina tenha apenas 8% da população mundial, ela é responsável por quase um quarto da base de usuários ativos mensais do Spotify.
Diz ainda que o ingrediente fundamental para o sucesso de gêneros internacionais, como reggaeton, foi a “consistência na forma como os artistas dedicam seus recursos para conquistar o público global”.
Para a revista, se Anitta for capaz de seguir o exemplo, o crescimento global do funk pode não estar longe.