Empresas brasileiras testam modelo de semana útil de apenas quatro dias

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A redução de jornadas é uma das pautas que mobiliza os movimentos de trabalhadores desde a revolução industrial. Da revolução industrial para cá, porém, as profissões, as tecnologias e as necessidades de produção mudam a cada ano, enquanto a carga horária se mantém a mesma por décadas. No Brasil, a última redução legal da jornada de trabalho aconteceu com a Constituição Federal, em 1988.

“Mudanças estruturais estão acontecendo no mundo, com a transformação digital das empresas e a implementação de tecnologias que têm contribuído para o aumento da produtividade. E a medida que você experimenta uma melhoria da produtividade, acaba existindo também uma percepção por parte dos trabalhadores de que os benefícios gerados devem ser acessíveis a eles. O mercado percebeu essa demanda e passou a testar novos arranjos de jornada e até de gestão do trabalho. Muitas empresas entenderam que o controle das horas trabalhadas não é igual à medição de produtividade”, explica Antônio Isidro, doutor em administração e professor de inovação da Universidade de Brasília.

Comprovando a tendência apontada pelo pesquisador, desde o segundo semestre de 2023, a iniciativa internacional 4 Day Week, que advoga pela implementação de uma semana de apenas quatro dias de trabalho, chegou ao Brasil. Em parceria com a Reconnect Happiness at Work, a organização propõe que empresas façam a adesão a um projeto piloto de nove meses de duração para testar a viabilidade e os resultados da redução de um dia de trabalho em seus escritórios.

As 22 instituições brasileiras que participam do piloto variam de microempresas a médias e operam nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Campinas. O experimento está atingindo, no total, 280 trabalhadores.

Um dos principais motivos, segundo os gestores, para buscarem a mudança é atrair e reter talentos qualificados — a semana de quatro dias seria uma estratégia para melhorar a qualidade de vida dos colaboradores sem a necessidade de aumentar salários. Além disso, a intenção é implementar formas mais eficazes de priorizar tarefas, organizar o trabalho de forma mais produtiva e, ao mesmo tempo, promover um ambiente de trabalho saudável.

Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work, compartilha os resultados preliminares do projeto-piloto no Brasil

A etapa prática da experiência, que dura seis meses, foi iniciada em janeiro deste ano e já obteve seus primeiros resultados qualitativos. Renata Rivetti, diretora da Reconnect Happiness at Work, conta que tanto funcionários como empregadores aprovaram a mudança. “As empresas começaram a perceber maior bem-estar e saúde mental dos colaboradores. Recebemos relatos que, agora, as pessoas têm tempo para fazer coisas pessoais, como ir ao médico, fazer terapia, cuidar de si, ou até coisas simples, como arrumar alguma coisa da casa que estava quebrada”, relata.

Renata explica que para o modelo funcionar, porém, é preciso que as lideranças revejam conceitos sobre produtividade, especialmente, em um contexto de otimização do trabalho possibilitada pela tecnologia. “Estimamos que das 8 horas trabalhadas, a gente produz em apenas 2 horas e 23 minutos delas. Existe uma sobrecarga no mercado de trabalho, nos dias de hoje, porque trabalhamos muito, mas com muita improdutividade. Essa é uma proposta não só de redução de jornada, mas de mudarmos a maneira como vemos o trabalho. Rever as reuniões em excesso, as distrações, a comunicação ineficiente. Então, tem muito mais a ver com reduzir a improdutividade do que com aumentar o ritmo de trabalho durante os quatro dias úteis”, afirma.

O primeiro relatório quantitativo do projeto deve ser divulgado no final de abril, em parceria com a Boston College. Após a análise, a ideia é expandir o piloto para mais empresas no segundo semestre. Os resultados baseados na vivência dos colaboradores, porém, são relevantes indicativos na medida em que a melhora no bem-estar e na satisfação dos colaboradores é um dos principais objetivos da proposta.

“Várias pesquisas sobre como as pessoas estavam enfrentando o burnout e a depressão pelo trabalho demonstraram que as soluções sempre tinham como pano de fundo os funcionários terem mais flexibilidade e autonomia em suas atividades e na gestão do seu tempo, o que gera saúde mental”, defende o professor Antônio.

A semana de quatro dias segue um modelo que ficou conhecido como 100-80-100, um acordo em que os colaboradores recebem 100% de seu salário, trabalhando 80% do tempo regular, mas mantendo 100% da produtividade. Não há impedimentos legais para que ela seja implementada no Brasil.

A advogada trabalhista Fabiana Trovó explica que a CLT não proíbe a redução, apenas determina a carga horária máxima, por semana, que pode ser adotada. “O empregador pode reduzir os dias trabalhados, sem problema nenhum, desde que observe que o valor da hora deve ser o mesmo pago a todos os colaboradores. E, além disso, precisam ser mantidos os valores pagos a título de décimo terceiro e férias remuneradas. Ou seja, o trabalhador não pode ter nenhum tipo de prejuízo, financeiramente falando”, esclarece.

Segundo Antônio Isidro, a proposta, apesar de não diminuir salários, implica uma mudança na forma como se enxerga a remuneração dos trabalhadores: por produtos, e não por microgestão de tarefas. “Significa menos controle de horário e mais controle de resultados”, diz.

Na visão de Adriana Marcolino, pesquisadora e coordenadora de produtos técnicos do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a redução de jornadas pode, inclusive, aumentar a oferta de emprego, por requerer a redistribuição das horas de trabalho, de forma mais eficiente e entre mais funcionários. Cálculos do Dieese apontam que a redução das jornadas de 44 para 40 horas semanais pode gerar mais 3 milhões de postos de trabalho.

“É possível reduzir jornadas sem afetar as empresas em função dos ganhos que elas tiveram nas últimas três décadas, com o aumento da produtividade e o crescimento, ainda que baixo, da economia brasileira. Seus lucros aumentaram, mas os salários dos trabalhadores não cresceram na mesma proporção, ou seja, houve um aumento na apropriação pelo capital. Possibilitar que os empregados trabalhem menos é uma forma de dividir esses ganhos e, ainda, ampliar o mercado consumidor. Mais pessoas podem ser empregadas, o que significa um desenvolvimento econômico social de longo prazo”, defende Adriana.

Os especialistas concordam em dizer, contudo, que as mudanças em direção a uma rotina de menos tempo no trabalho não está acessível a todos. Profissionais que já desfrutam de melhores condições de trabalho, pois possuem maior qualificação e ocupam postos que exigem maior esforço cognitivo, intelectual e criativo, ou que fazem uso intensivo de tecnologias, têm maior probalidade de serem alvos dessas políticas.

Omar Hamam Júnior implementou há mais de um ano o regime de quatro dias de trabalho em sua agência de publicidade: “Funciona”

Omar Hamam Júnior, sócio da agência de publicidade Fome, acredita, porém, que isso não precisa ficar restrito a setores ligados à inovação. O empresário implementou há mais de um ano, de forma definitiva, o regime de quatro dias de trabalho para seus 25 funcionários, que também podem trabalhar nas modalidades remota e híbrida. “Esse é um ponto complicado de conversa, porque esbarra em formas antigas e estabelecidas de trabalho. Mas as empresas precisam olhar mais para as novas gerações e entender que elas não vão aceitar uma carga horária inflexível. Certamente, esse modelo pode ser replicado em áreas tradicionais. Qualquer trabalho intelectual pode se beneficiar, porque funciona”, sugere.

Os resultados da agência reforçam que a decisão foi acertada. Segundo ele, o time se tornou mais produtivo, as demissões caíram e os trabalhos não deixaram de ser entregues. “Os clientes também gostaram da iniciativa. Do ponto de vista comercial, foi bom porque a agência ficou bem vista por pensar no lado humano”, conta.

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